Se quiser seguir-me, narro-lhe - não um conto, mas um acontecimento que custou esforço para despertar-me, após anos e anos de dormência. Eu, sempre acostumada a encantar e desencantar-me com formas voláteis, fui aprisionada por um juízo que trouxe, no paradoxo de todas as coisas vivas e vivíveis, uma libertação. Não que isso importe muito para a vossa senhoria, não tenho pretensão de transformar um milímetro de vossa nobre inclinação realística com meus escritos, mas tenho a ânsia peculiar do desabrochar, na explicitação enfática de minha prazerosa constatação. Talvez demore anos para compreender todo o processo que me impulsionou para tal ato de franqueza poética, mas digo-lhe: não sigas a duvidosa sensatez dos meus escritos. Amanhã sempre será outro dia. As coisas permanecerão de acordo com a envergadura peculiar de cada um e, manter-se aquecido dentro do próprio coração requer muita fé (e fogo brando). Não se engane, coração dos outros é terra de ninguém, não há como ter acesso em sã consciência, sem iludir-se com os próprios sentimentos multiplicados. Mas vamos ao fato em questão. Suponho que estejas curioso, se por ventura tenhas tido perseverança para ler estas palavras circunscritas. Não tenho pressa de relatar-lhe: o mundo é um moinho e nem sempre o ciclo das águas satisfarão a vossa sublime sede.
Era um dia comum, os impulsos reinavam, apesar do ânimo constante em manter os pés no chão. Era noite e fui tomar banho sem grandes pretensões reveladoras. Observava as fotos pré-congeladas nas paredes encardidas do banheiro, quando recebi uma visita inusitada. Digo a vossa senhoria que esta enigmática visita a qual me refiro não era uma visita qualquer, mas o elemento transformador que me faltava há tempos e que corajosamente aguardava desde os primórdios de minha paralisia. Sim senhor, estava paralisada, não me era possível mover nem mesmo uma unha de meu dedinho do pé e, não tenhas compaixão por isso, pois sempre convivi como se não houvesse paralisia nenhuma, com a independência daqueles que suspiram por perfeição extraterrena. Não invento palavras, tenho profundo respeito pelas entrelinhas. Olhei-me no espelho e vi algo fascinante: estava pela primeira vez acompanhada. Sugiro ao senhor que não busques imperfeições em meu sincero relato, a coerência deste absurdo ainda me encanta só de respirar! Sim, meus pensamentos desintegrados que atribuíam ao mundo a incessante incompletude da humanidade se moveram com o sopro leve de minha visão. E o senhor fique calmo, porque esta foi somente a primeira parte do achado.
A realidade seja dita, até aquele momento, eu, que sempre pude ignorar a beleza das minhas próprias deficiências, me entorpeci com a empreitada de finalmente olhar no espelho e reconhecer-me. A perfeição era circunscrita. E este fato é a pura extensão divina - me perdoe se não consegues atingir o ápice em poucas linhas descritas. A beleza não é a aceitação duvidosa de concernir. Pois sim, meu caro, acredite: o amor é uma constatação metalingüística! Quanto eu era amada e nem sequer notava! Sim, meu senhor, digo-lhe que renasci em poucos segundos - minha imagem sempre estivera lá, incólume sob a mesma forma oculta, e eu soube. Concretizei tal protuberância em um único suspiro e o rostinho da quase-menina deu um leve sorriso e ecoou.
por Thais Figueiredo
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